18.8.11

Rascunhos de uma Grande Paixão (Capítulo II)


O meu relógio acabara de marcar 5h da manhã certas e eu ainda me encontrava perdida nas escuras ruas do Porto, sem qualquer destino em mente.
«O pessoal está todo concentrado na casa do Gonçalo, com sorte ainda os apanho acordados e passo logo a noite com eles» pensei eu, seguindo os gastos e estreitos troços de estrada que me esperavam.

Ainda tinha uns belos 20 minutos de árduo caminho pela frente. Sim, árduo, pois as preocupações eram tantas que me esqueci de calçar uns sapatos mais adequados e práticos para caminhar. Mas nem as dores dos pés superavam a ansiedade que tinha de chegar a casa do meu namorado. Desejava loucamente ser recebida pelos braços fortes e acolhedores dele e permanecer assim até adormecer sobre os problemas. E bem que precisava, porque ainda para além das duas perturbações que me davam cabo do corpo e alma, havia ainda uma bem mais persistente e claramente superior, que era a razão de eu querer tanto abraçar o meu Gonçalo, ou seja, a Joana. Posso mesmo garantir que nesses 20 minutos a dar á "sola", todas as imagens e pensamentos que me surgiam automaticamente na cabeça seriam, o doce e inocente ar angelical da minha irmãzinha a dormir e a dor que ela estaria prestes a sentir mal lê-se o meu infeliz recado. Dos meus pais, já não digo o mesmo... Provavelmente a única dor que iriam sentir seria a de serem obrigados a passar mais tempo em casa e menos tempo no trabalho, onde estariam colados aos respetivos portáteis, empenhados ao que eles chamam de "atas e relatórios" e ao que nós, sociedade com olhos na cara, chamamos de "solitário e derivados".

As lágrimas que que antes teriam secado, estavam de regresso e antes que tivesse outra recaída, sentei-me num acolhedor banco de jardim próximo de mim, larguei as malas, puxei um cigarro e joguei as duas mãos a cabeça tentando-me acalmar. Passado um bom bocado, consegui abstrair-me. Então ai levantei-me, atirei o cigarro já acabado para o chão, apaguei-o violentamente com a sola que restaria dos meus velhos sapatos e segui para o meu destino de cabeça erguida.
Eram quase 6h da manhã e finalmente teria chegado. Como já era de esperar, em vez de estarem todos a descansar para a viagem de amanhã, encontrei a casa numa enorme histeria. Provavelmente a ansiedade da viagem não os deixara dormir e decidiram todos ir investigar o bar do pai do Gonçalo (...) Eu só sei que nem queria imaginar o ambiente que a minha má energia iria causar no meio de tanta "alegria".
Após ter tocado 3 vezes à campainha e ter esperado uns 10 minutos ouvindo nada mais que a barulheira vinda do interior da casa, lá me abriram a porta. Era o André, um amigo inseparável do Gonçalo (vá lá Deus saber porquê). Recebeu-me com dois beijos na cara, um hálito insuportável a cerveja, um corpo exageradamente musculado e claro, com o sempre presente ego de um desportista super popular com o seu inseparável cérebro de ervilha.
«Então Madalena, vieste para as mínis ou descobriste que arranjas bem mais acabando por não te contentar mais com o que é pouco?» disse ele com a maior presunção do mundo.
«Ah! Claro André! Mas não te preocupes porque ao contrário do que o que tu pensas, já me contento com o que é verdadeiramente muito há algum tempo, sem sinal de queixas, daí ter vindo ter com o Gonçalo. Mas não te preocupes, quando decidir entrar em "dieta", ligo-te, acredito que obtenha resultados imediatos» ripostei eu pensando ao mesmo tempo:
1- a razão de lhe ter dado algum tipo de importância;
2- e porque é que utilizei a palavra "obtenha" mesmo sabendo que este
palerma não iria perceber?
«És fria, muito fria!» reclamou André sempre com o seu presente ar de "come todas".
«Azar o meu de só te interessares pelas brasas, que verdadeira desilusão.» disse, satiricamente. «Sabes do Gonçalo já agora?» perguntei.
«És diferente, contigo cheira-me a casamento e podíamos começar já a treinar os votos do nosso matrimonio pois o teu namorado deve estar lá em cima no quarto com a Salomé. Que atencioso. E se o desejo dele é que nós fiquemos juntos, penso que deveríamos cumprir segundo o que o faz mais feliz, não achas meu amor?» gozou ele de novo.
« Epa, cuida-te que hoje não estou com paciência para te aturar!» disse eu entrando, empurrando-o contra a porta e entrando violentamente dentro da casa.
Mal entrei, estava Salomé sentada no sofá, abraçada a um alguidar cheio de pipocas e uma apreciável e exagerada quantidade de garrafas de cerveja em cima da mesa que se encontrava a sua frente.
«Ah! Olá Dena! Estávamos a ver que nunca mais!» Disse ela aparentemente sóbria.
«Pois, mas mais vale tarde que nunca. O que interessa é que já estou cá não é verdade?» respondi eu alterando ligeiramente o meu tom de voz e a minha presença facial. Não queria mesmo nada que ela começasse. Protetora como ela é o mais provável seria agarrar-me no braço, acordar os meus pais e obrigar-nos a fazer as pazes para eu poder ir descansada para Sydnei. E sim, eu sei que ela era capaz. A Salomé a cima de tudo, é muito direta nos assuntos, e adora resolve-los com as próprias mãos, mesmo que não seja nada com ela.
Enfim, apesar de ela ser a minha melhor amiga, de que eu realmente precisava era do Gonçalo e dos seus fortes e acolhedores braços.
«Sabes do Gonçalo, Salomé?» perguntei.
«Sim sei. Está no quarto a fazer o resto da mala. Sabes como é o teu namorado, deixa sempre tudo para a última hora. Aconselho-te vivamente a ires ter com ele e dar uma mãozinha antes que ele se esqueça de alguma coisa» disse Salomé apontando para as escadas, mas sempre concentrada no exageradamente grande alguidar amarelo cheio de pipocas.
«Ok!» respondi eu enquanto me dirigia para a longa escadaria. Ou deveria antes referi-la como curta? Sim, porque com a velocidade com que a subi, pareceu-me de tudo menos ter percorrido 32 largos degraus de mármore.


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